O bisturi esculpe sonhos
Fonte REvista Veja:As cirurgias plásticas estão mais seguras e baratas.
Mas trocar de corpo não é tão fácil como mudar de roupa.
Se um médico afirmar que isso é possível, fuja. Profissionais
responsáveis expõem os riscos e os limites das intervenções
Montagem Pepe Casals |
No filme Tudo sobre Minha
Mãe, do diretor espanhol Pedro Almodóvar, ao enumerar as operações plásticas
a que se submeteu, uma personagem sintetiza com muita graça os seus esforços em
busca de uma nova imagem: "Olhos amendoados, 80 000 pesetas. Silicone nos
lábios, testa, seios e nádegas... O litro é 60 000. Façam as contas, porque eu
já as perdi: dois seios novos, 70 000 cada um. Custou-me muito ser autêntica...
Porque a mulher é tão mais autêntica quanto mais se aproxima da imagem que
sonhou para si mesma".
Quem
nasceu com a imagem que sonhou para si próprio? Pouquíssimas pessoas, não
importa o sexo, a classe econômica ou a idade. Quase todo mundo daria uma
puxadinha aqui, uma esticadinha ali, e por aí vai. Em termos absolutos, o Brasil
é o vice-campeão mundial de cirurgias plásticas, só perdendo para os Estados
Unidos.
No ano passado, 350.000 pessoas se submeteram a pelo menos uma
intervenção. Há quem recorra à mesa de operação para apagar marcas de
envelhecimento – a maioria, diga-se.
Outros querem se livrar do estigma de uma
imperfeição: se ela existe de fato ou não, pouco importa. O que conta é o
incômodo psicológico que causa. E há, ainda, aqueles cuja meta é esculpir um
monumento onde vêem apenas um corpo bonito como tantos outros. O arsenal para
bancar todos esses sonhos está cada vez mais sofisticado.
Hoje,
as cirurgias são menos invasivas e muito mais seguras do que até pouco tempo
atrás. O período de internação é menor, e o pós-operatório, menos traumático. Os
avanços mais consistentes se deram por meio do refinamento das técnicas já
existentes. Há quinze anos, por exemplo, eliminar rugas era sinônimo de esticar
a pele, simplesmente. A internação durava cinco dias. Os médicos aperfeiçoaram o
procedimento com a retirada do excesso de gordura facial e o esticamento
suplementar de músculos flácidos do rosto. No dia seguinte, o paciente tem alta.
A lipoaspiração também está mais segura e eficaz. Até o início da década
passada, ainda era grande o risco de sair da mesa de operação com a superfície
da pele irregular, cheia de depressões ou ondulações. Pior: não era pequena a
probabilidade de órgãos vitais serem atingidos durante a intervenção. Com a utilização de cânulas
menores e mais finas (hoje elas têm em média 2 milímetros de diâmetro, contra 10
do passado), além de esse risco ser menor, controlam-se com mais precisão o
sangramento e a quantidade de gordura a ser removida.
No caso da mamoplastia para aumento das mamas,
as próteses de silicone atuais, texturizadas ou cobertas com esponja de
poliuretano, reduzem muito o endurecimento dos seios.
Acrescente-se à melhoria dos
procedimentos a redução dos custos das cirurgias plásticas. Em relação ao começo
dos anos 90, elas estão de 10% a 15% mais baratas e podem atualmente ser pagas a
prazo, mesmo em clínicas de renome.
Graças a tais facilidades, recorrer à faca
para aumentar, diminuir ou levantar os seios, exterminar a gordura do abdome e
dos quadris ou talhar um nariz novo deixou de ser artifício exclusivo de ricos e
famosos. Mulheres e homens de classe média já formam um contingente considerável
entre os clientes dos cirurgiões estéticos. As estatísticas indicam que
lipoaspiração e mamoplastia lideram o ranking da preferência feminina,
representando 60% do total de intervenções. O dado impressionante no universo
masculino é o seu crescimento na participação no bolo. Em 1994, os homens
somavam 5% das pessoas que se submetiam a uma plástica. Hoje, eles já são 30%.
Implante de cabelo e lipoaspiração dos flancos (retirada dos populares
"pneuzinhos") estão entre as cirurgias mais realizadas.
Aproximar-se da imagem sonhada é
lícito, está ao alcance de quem ganha um salário razoável, mas não se pode
esquecer que boa parte da demanda por cirurgia plástica está relacionada a
modismos. Entre as mulheres, já houve a fase dos peitos pequenos e a do nariz
arrebitado, entre outras. Agora é a vez do corpo enxuto, ressaltado por seios
muito fartos. Trata-se do efeito Gisele Bündchen. A julgar pelo que se vê na
televisão e nas publicações que esquadrinham o mundo das celebridades, trocar de
corpo parece ser tão fácil quanto mudar de roupa. Mas não é.
Nenhum profissional
sério encaminha um paciente à mesa de cirurgia sem antes deixar claro que
milagres não são possíveis e que há limite para o número de intervenções que uma
pessoa pode sofrer ao longo da vida. Se ele disser o contrário, fuja. É
importante ter presente que uma cirurgia plástica continua a ser, em sua
essência, como qualquer outra. Sempre existe o risco de choque anafilático
durante a anestesia e de a intervenção deixar marcas e cicatrizes imprevistas,
por melhor que seja o médico.
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